A
nova regra da aposentadoria tem algo de inédito. Forçado por uma
inesperada derrota no Congresso, o governo agiu de improviso e ampliou
os benefícios previdenciários em plena recessão econômica. Mas tamanha
generosidade terá um preço. Os ganhos de quem se aposentar nos próximos
anos serão cobrados das futuras gerações de aposentados, provavelmente
dos que deixarem o mercado de trabalho a partir da década de 2030.
O governo só foi benevolente agora porque, em sua avaliação, a “minirreforma” vai gerar economia para a Previdência Social no curto prazo – nos próximos dois a quatro anos, conforme diferentes estimativas – e, por mais alguns anos na sequência, terá impacto equivalente ao do fator previdenciário. Isso porque, em tese, a concessão de benefício integral a quem cumprir os novos requisitos vai estimular muita gente a adiar a aposentadoria.
Esse efeito positivo, no entanto, não vai durar muito. Especialistas estimam que, a partir de meados da próxima década, a regra que ficou conhecida como “85/95 progressiva” passará a representar um gasto adicional para o INSS. Se não houver uma nova reforma até lá, a única forma de conter a sangria do esburacado caixa da Previdência será a redução dos benefícios.
Especialista vê “tragédia grega” a caminho
Antes de afundar na crise, a Grécia tinha um modelo de previdência quase idêntico ao do Brasil. Permitia aposentadoria por idade ou por tempo de contribuição e estabelecia regras diferentes – mais benevolentes – para servidores públicos. Como não fez as reformas quando a situação econômica era mais tranquila, o governo grego se obrigou, em meio à recessão, a promover um corte radical nos benefícios: reduziu o valor das aposentadorias em 15% de uma só vez, e o congelou por cinco anos. Ao mesmo tempo, instituiu a idade mínima e elevou o tempo de contribuição.
Para Leonardo Rolim, consultor legislativo da Câmara dos Deputados, o Brasil pode estar tomando o mesmo caminho. “A Grécia é um país mais envelhecido. Por volta de 2025, chegaremos ao padrão de idade que eles têm hoje. Mas não vejo a sociedade brasileira consciente desse problema”, diz Rolim, ex- secretário de Políticas de Previdência Social do governo. “Não é previsão apocalíptica, é matemática simples. A população idosa vai triplicar até 2060, e as pessoas estarão vivendo mais. Ao mesmo tempo, haverá menos gente no mercado de trabalho, contribuindo para o INSS. A conta não vai fechar.”
Segundo Rolim, ainda há tempo para fazer uma reforma que equilibre as contas da Previdência. Segundo ele, além do bônus demográfico – a população em idade produtiva cresce mais que a população idosa –, o país ainda conta com outros três bônus: os aumentos da formalidade do mercado de trabalho, da participação das mulheres e da escolaridade média dos trabalhadores, que ampliam a renda e, portanto, a arrecadação do INSS. “Estamos no momento ideal para fazer uma mudança mais suave. Com o passar do tempo, as mudanças terão de ser mais drásticas”, diz. (FJ)
“Quem vai pagar são os futuros aposentados. Como não há mais como aumentar a contribuição, que já é elevada, a saída será reduzir o benefício. O teto previdenciário ficará ainda mais baixo”, diz o consultor em Previdência Renato Follador, um dos criadores da fórmula do fator previdenciário. “Hoje as pessoas reclamam que o benefício é miserável. Ficará mais miserável ainda.”
O governo vem “achatando” o valor da aposentadoria há mais de uma década. Na comparação com o salário mínimo, o valor máximo da aposentadoria pelo INSS – que em geral apenas acompanha a inflação – cai há 11 anos. Em meados de 2004, o teto, então de R$ 2.509, equivalia a 9,6 salários mínimos. De lá para cá, o maior benefício subiu 86% e o salário mínimo, 203%. Com isso, o teto atual, de R$ 4.664, corresponde a apenas 5,9 mínimos.
Antes mesmo do anúncio da nova regra, Follador estimava que o maior benefício baixaria a cinco salários mínimos por volta de 2018 e, 20 anos depois, chegaria a três salários. Com o gasto adicional que a nova fórmula provocará no médio e longo prazo, o declínio pode ser mais acentuado.
Rombo
No ano passado, o INSS teve um déficit de R$ 56,7 bilhões, equivalente a 1,03% do PIB. Segundo cálculos do Ministério da Previdência anteriores à edição da nova regra, em 2030 o rombo chegaria a 2% do PIB e, mantendo a trajetória ascendente, bateria em 9% por volta de 2060. Isto é, quase R$ 10 de cada R$ 100 produzidos pela economia serviriam basicamente para cobrir o buraco da Previdência.
O ministério ainda não refez essas contas. Informou apenas que até 2026 haverá uma economia de R$ 50 bilhões em comparação à fórmula que havia sido aprovada pelo Congresso, a “85/95 fixa”, sem progressão. Sabe-se, no entanto, que no longo prazo a fórmula estabelecida pela medida provisória 676 tende a ampliar o déficit do INSS.
“Fórmula é versão piorada do fator”
Para o consultor Renato Follador, a fórmula progressiva é uma versão “piorada” do fator previdenciário. Segundo ele, enquanto o fator usa critérios científicos para estimar a sobrevida e definir o benefício a que o aposentado tem direito, a nova regra estabeleceu o cálculo “de forma aleatória e sem nenhuma fundamentação técnica”.
“A fórmula do fator já embute o equilíbrio financeiro e atuarial da Previdência, de forma que a pessoa receba rigorosamente o que contribuiu. É uma conta de resultado zero. Se contribuir menos, ou receber o benefício por mais tempo, o valor da aposentadoria é menor, e vice-versa”, explica. “No fator, a expectativa de sobrevida é ajustada anualmente, de acordo com as projeções do IBGE. Na nova fórmula, isso será estabelecido arbitrariamente, sem qualquer critério, pelo governo ou pelo Parlamento.”
Segundo Follador, a progressão estabelecida pela MP 676 “é uma burrice”, pois será interrompida em 2022, ao passo que a longevidade continuará aumentando – o próprio ministro da Previdência, Carlos Gabas, admitiu que a fórmula da MP é uma “solução momentânea”. “As pessoas viverão mais, a despesa será maior, e o governo e o Parlamento terão que, rotineiramente, rediscutir isso. Como são medidas impopulares, o risco é de o debate não avançar e as contas da Previdência só piorarem”, avalia Follador. (FJ)
Fonte: Gazeta do Povo
O governo só foi benevolente agora porque, em sua avaliação, a “minirreforma” vai gerar economia para a Previdência Social no curto prazo – nos próximos dois a quatro anos, conforme diferentes estimativas – e, por mais alguns anos na sequência, terá impacto equivalente ao do fator previdenciário. Isso porque, em tese, a concessão de benefício integral a quem cumprir os novos requisitos vai estimular muita gente a adiar a aposentadoria.
Esse efeito positivo, no entanto, não vai durar muito. Especialistas estimam que, a partir de meados da próxima década, a regra que ficou conhecida como “85/95 progressiva” passará a representar um gasto adicional para o INSS. Se não houver uma nova reforma até lá, a única forma de conter a sangria do esburacado caixa da Previdência será a redução dos benefícios.
Especialista vê “tragédia grega” a caminho
Antes de afundar na crise, a Grécia tinha um modelo de previdência quase idêntico ao do Brasil. Permitia aposentadoria por idade ou por tempo de contribuição e estabelecia regras diferentes – mais benevolentes – para servidores públicos. Como não fez as reformas quando a situação econômica era mais tranquila, o governo grego se obrigou, em meio à recessão, a promover um corte radical nos benefícios: reduziu o valor das aposentadorias em 15% de uma só vez, e o congelou por cinco anos. Ao mesmo tempo, instituiu a idade mínima e elevou o tempo de contribuição.
Para Leonardo Rolim, consultor legislativo da Câmara dos Deputados, o Brasil pode estar tomando o mesmo caminho. “A Grécia é um país mais envelhecido. Por volta de 2025, chegaremos ao padrão de idade que eles têm hoje. Mas não vejo a sociedade brasileira consciente desse problema”, diz Rolim, ex- secretário de Políticas de Previdência Social do governo. “Não é previsão apocalíptica, é matemática simples. A população idosa vai triplicar até 2060, e as pessoas estarão vivendo mais. Ao mesmo tempo, haverá menos gente no mercado de trabalho, contribuindo para o INSS. A conta não vai fechar.”
Segundo Rolim, ainda há tempo para fazer uma reforma que equilibre as contas da Previdência. Segundo ele, além do bônus demográfico – a população em idade produtiva cresce mais que a população idosa –, o país ainda conta com outros três bônus: os aumentos da formalidade do mercado de trabalho, da participação das mulheres e da escolaridade média dos trabalhadores, que ampliam a renda e, portanto, a arrecadação do INSS. “Estamos no momento ideal para fazer uma mudança mais suave. Com o passar do tempo, as mudanças terão de ser mais drásticas”, diz. (FJ)
“Quem vai pagar são os futuros aposentados. Como não há mais como aumentar a contribuição, que já é elevada, a saída será reduzir o benefício. O teto previdenciário ficará ainda mais baixo”, diz o consultor em Previdência Renato Follador, um dos criadores da fórmula do fator previdenciário. “Hoje as pessoas reclamam que o benefício é miserável. Ficará mais miserável ainda.”
O governo vem “achatando” o valor da aposentadoria há mais de uma década. Na comparação com o salário mínimo, o valor máximo da aposentadoria pelo INSS – que em geral apenas acompanha a inflação – cai há 11 anos. Em meados de 2004, o teto, então de R$ 2.509, equivalia a 9,6 salários mínimos. De lá para cá, o maior benefício subiu 86% e o salário mínimo, 203%. Com isso, o teto atual, de R$ 4.664, corresponde a apenas 5,9 mínimos.
Antes mesmo do anúncio da nova regra, Follador estimava que o maior benefício baixaria a cinco salários mínimos por volta de 2018 e, 20 anos depois, chegaria a três salários. Com o gasto adicional que a nova fórmula provocará no médio e longo prazo, o declínio pode ser mais acentuado.
Rombo
No ano passado, o INSS teve um déficit de R$ 56,7 bilhões, equivalente a 1,03% do PIB. Segundo cálculos do Ministério da Previdência anteriores à edição da nova regra, em 2030 o rombo chegaria a 2% do PIB e, mantendo a trajetória ascendente, bateria em 9% por volta de 2060. Isto é, quase R$ 10 de cada R$ 100 produzidos pela economia serviriam basicamente para cobrir o buraco da Previdência.
O ministério ainda não refez essas contas. Informou apenas que até 2026 haverá uma economia de R$ 50 bilhões em comparação à fórmula que havia sido aprovada pelo Congresso, a “85/95 fixa”, sem progressão. Sabe-se, no entanto, que no longo prazo a fórmula estabelecida pela medida provisória 676 tende a ampliar o déficit do INSS.
“Fórmula é versão piorada do fator”
Para o consultor Renato Follador, a fórmula progressiva é uma versão “piorada” do fator previdenciário. Segundo ele, enquanto o fator usa critérios científicos para estimar a sobrevida e definir o benefício a que o aposentado tem direito, a nova regra estabeleceu o cálculo “de forma aleatória e sem nenhuma fundamentação técnica”.
“A fórmula do fator já embute o equilíbrio financeiro e atuarial da Previdência, de forma que a pessoa receba rigorosamente o que contribuiu. É uma conta de resultado zero. Se contribuir menos, ou receber o benefício por mais tempo, o valor da aposentadoria é menor, e vice-versa”, explica. “No fator, a expectativa de sobrevida é ajustada anualmente, de acordo com as projeções do IBGE. Na nova fórmula, isso será estabelecido arbitrariamente, sem qualquer critério, pelo governo ou pelo Parlamento.”
Segundo Follador, a progressão estabelecida pela MP 676 “é uma burrice”, pois será interrompida em 2022, ao passo que a longevidade continuará aumentando – o próprio ministro da Previdência, Carlos Gabas, admitiu que a fórmula da MP é uma “solução momentânea”. “As pessoas viverão mais, a despesa será maior, e o governo e o Parlamento terão que, rotineiramente, rediscutir isso. Como são medidas impopulares, o risco é de o debate não avançar e as contas da Previdência só piorarem”, avalia Follador. (FJ)
Fonte: Gazeta do Povo
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